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22 de Setembro de 2011 - Por: Desembargador Gama Malcher

Prisão Preventiva e Liberdade


Causa espécie que, a cada notícia de um fato criminoso, a sociedade pareça exigir e depois se satisfazer com a decretação da prisão preventiva do indicado como autor do crime, como se ele já tivesse sido condenado antes mesmo de ser julgado.

Nossas leis admitem a restrição ao direito individual da liberdade de locomoção apenas em casos especialíssimos e sob estrito controle jurisdicional. Nos regimes democráticos, a regra é a liberdade do indivíduo que é o estado natural do Homem.. Na manutenção da Ordem, em resguardo do Bem-Comum (que João XXIII conceituou tão bem, como a síntese das condições necessárias para a realização de todas as potencialidades do homem), cabe ao Estado através do Judiciário restringi-la; estas restrições são sempre de ordem legal, assentes em princípios cons­ti­tu­cio­nais, e aplicáveis por força de decisão jurisdicional. Só ao Juiz, a quem cabe o resguardo da liberdade, é, em regra, entregue o Poder de a restringir.em duas hipóteses: ou em cumprimento de pena privativa da liberdade, ou em prisão provisória no curso de inquérito ou processo criminal. Fora daí, a regra é a liberdade, constitucionalmente assegurada e legalmente regulada.


Prisão provisória é toda restrição à liberdade de locomoção imposta no curso de um procedimento investigatório (Inquérito Policial ou Inquérito Administrativo) ou de processo judicial (criminal, falimentar, cível - ação de alimentos) ao indiciado ou a outros sujeitos do processo.A prisão provisória, no crime,só pode ocorre:em flagrante-delito; ou por prisão preventiva; temporária; por pronúncia; por sentença condenatória recorrível; prisão civil; e prisão disciplinar.


Flagrante-delito é uma situação de evidência da prática de uma infração penal, por parte de alguém. Decorre tal situação da circunstância de ser alguém encontrado praticando ou tendo acabado de praticar uma infração penal; de ter sido perseguido sob o clamor público em situação que faça presumir que é o autor de uma infração penal; ou então, de ter sido encontrado, logo após a prática de uma infração penal, tendo em seu poder instrumentos, armas, objetos ou papéis que gerem a presunção de que é o autor de infração penal (crime ou contravenção).


A flagrância é um estado, uma situação jurídica; são condições de fato, reguladas pelo direito, que definem quando se tem um delito como evidente. A evidência do delito (que deve ser imediatamente documentada, pois nada há mais a investigar) permite a prisão provisória por qualquer do povo, e é dever de quem exerça autoridade pública (princípio da oficiosidade).


A prisão preventiva é uma medida cautelar social de natureza processual, em que se sacrifica a liberdade individual do indiciado ou do acusado, para atender a necessidades superiores do interesse do processo e da sociedade.


Advinda da necessidade de acautelar a administração da Justiça ela se manifesta como meio de segurança da paz social, como medida de garantia da execução da pena ou como meio de garantia da instrução do processo. Sendo já certa a materialidade do fato criminoso e segura a indicação, pelo menos da autoria, justifica-se que possa o Estado restringir, quando necessário, a liberdade individual para garantir-se dos meios de colher provas ou para assegurar-se que a lei penal não se verá frustrada em seus maiores objetivos, assim como para garantir a ordem pública que lhe cabe manter evitando que seja perturbada no transcurso do processo, ou mesmo, durante o procedimento investigatório.


Sendo medida de absoluta restrição da liberdade individual de quem vai sofrer seus efeitos, é compreensível que só à autoridade judiciária seja permitida decretá-la, concedendo-se tão-somente ao Ministério Público e a autoridade policial a sua provocação ao Juízo, nada impedindo que o Juiz a possa determinar "ex officio". E depende de existir prova da materialidade do crime, de haver indícios suficientes de que o indiciado é o autor do crime e , fundamentalmente que ela se mostre estritamente necessária para garantir seus fins: manter a ordem pública, garantir a instrução criminal e a futura execução da pena caso seja ele condenado,


Para que o Juiz possa decretar a prisão preventiva, é necessário que o resultado material do crime esteja provado. Não se exige a prova direta da ocorrência do fato; contenta-se o legislador com a certeza da materialidade do fato, não se exigindo assim que já existam nos autos os exames e laudos periciais; admite-se a prova indireta, através de depoimentos firmes e seguros, que demonstrem que o fato atribuído ao indiciado ou acusado realmente aconteceu. Na maioria dos casos, é o que realmente ocorre: ainda na fase investigatória impõe-se a decretação da medida, e ainda não houve tempo para a realização dos exames periciais; em outras ocasiões é da realização dos próprios exames que se cogita, mas há a demonstração clara e segura de acontecimento criminoso.


Exige-se ainda, quanto à autoria atribuída ao investigado ou acusado que vai sofrer a restrição da liberdade, que esta esteja, pelo menos, suficientemente indiciada.


A prisão preventiva é medida destinada a sempre assegurar uma de suas finalidades, pois tem um destino certo, determinado por Lei: visa a garantir a ordem pública quando, diante de um acusado perigoso, serve para evitar a prática de novos crimes, ou então quando a ordem pública esteja ameaçada pelo próprio fato; em virtude de medidas que devam ser tomadas no curso da própria investigação ou de garantias do processo; a conveniência de instrução criminal é considerada na prisão preventiva evitando-se que a colheita de provas seja perturbada, ameaçada, desvirtuada pelo acusado; e finalmente, visa a prisão preventiva a assegurar a aplicação de lei penal, mantendo o acusado no distrito da culpa, evitando sua fuga e a posterior frustração da pena a ser aplicada.


A prisão preventiva possui limites, não só impostos pelo tempo, mas pela natureza da infração penal e da pena aplicável. Só é cabível em se tratando de crime, jamais podendo ser decretada por motivo de contravenção, embora haja contravenções que são inafiançáveis (vadiagem e mendicância).A prisão preventiva só pode atingir crimes dolosos: punidos com reclusão;ou crimes punidos com detenção, quando o acusado for vadio[1] ou houver dúvidas sobre sua identidade e ele não fornecer esclarecimentos sobre ela; se o réu tiver sido condenado por outro crime doloso, em Sentença imutável, salvo se a reincidência já tiver desaparecido pelo decurso do tempo (art. 64 do CP).


Em nenhum caso a prisão preventiva será decretada se o Juiz verificar, pelas provas constantes dos autos, que o agente praticou o fato em legítima defesa, em estado de necessidade, no cumprimento de um dever legal ou exercendo regularmente um direito. Se no curso do processo tal prova vier a ser feita de modo concludente, estando já decretada a prisão preventiva, deve ser revogada.


O despacho que decretar a prisão preventiva deve ser fundamentado, demonstrando o Juiz a necessidade da medida e a realização de seus pressupostos. A jurisprudência tem sido rigorosa neste particular, aceitando apenas que o Juiz faça remissão ao pedido do Ministério Público ou à representação da autoridade policial, mas adotando, por declaração expressa, os fundamentos daqueles pedidos.


A fundamentação da medida deve ser expressamente oferecida ao tempo da decretação, não se tolerando que venha o Juiz depois, em informações de "habeas corpus", oferecê-la, porque não há sentença ou despacho que adote fundamento "a posteriori". A medida deve ser efeito de uma necessidade, e como tal, devidamente demonstrada.





Por: Desembargador Gama Malcher


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