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22 de Setembro de 2011 - Por: Desembargador Gama Malcher

O Caso Nardoni e o Protesto por Novo Juri


Após a condenação do casal Nardoni pelo homicídio de Isabela Nardoni e a imposição aos réus de penas superioes a 20 anos de reclusão pelo homicídio surgiu na mídia e entre ilustres advogados a discussão sobre se seria cabível o pedido de submissão dos réus a novo julgamento pelo Tribunal popular diante d a Lei nº 11.689 de 09 de junho de 2008 que extinguiu o Protesto por Novo Júri.

O Protesto por Novo Júri foi introduzido no Direito brasileiro, ao tempo em que toda a matéria criminal era julgada pelo Tribunal popular, para possibilitar ao réu condenado à morte, à prisão perpétua ou às galés, novo julgamento. Na atualidade, quando o Conselho de Jurados apenas aprecia o fato e é o Juiz quem fixa a pena, e se oferece Apelação contra tal parte da decisão quando a pena é injusta ou fixada erroneamente, o Protesto por Novo Júri se tornou supérfluo. Se o réu pode apelar da própria decisão do Conselho de Jurados, e o Tribunal recursal mandar que seja submetido a novo julgamento, não se compreende que, só por sua vontade, possa provocar novo pronunciamento do Juízo de primeiro grau.


Condenado por toda a doutrina, tanto por aqueles que sustentam a excelência do julgamento popular como pelos que combatem o júri (por falta de vivência da instituição ou por não reconhecerem que a virtude das instituições não é delas propriamente, mas dos que as vivem e dirigem), persistia entretanto o Protesto por Novo Júri, talvez por tradicionalismo ou pela falta de iniciativa da modernização das nossas instituições judiciárias e processuais. A Lei nº 11.689 de 09 de junho de 2008 e extinguiu tão esdrúxulo e desnecessário recurso, que só serviu para dificultar a marcha processual e impedir a desejada agilização da justiça.


Tal extinção envolve questões de Direito Intertemporal pois há processos já iniciados, pronunciados, julgados e sentenciados em que, se ainda subsistente o recurso abolido seria permitido aos condenados a pena igual ou superior a 20 anos valer-se do Protesto por Novo Júri e outros ainda em que tal direito já foi exercido pendente apenas o novo julgamento.


Quando entra em vigor uma norma jurídica, regulando determinadas relações jurídicas, entra evidentemente em conflito com a norma ou as normas que já regulavam aquela ou aquelas situações.


Alguns autores entendem que, pelo fato de a nova lei processual se aplicar aos processos em curso, estaríamos diante de uma hipótese de aplicação retroativa; tem tal entendimento, porque confundem as situações de direito material (que se fossem atingidos, resultaria em retroatividade) com situações de direito adjetivo. A aplicação imediata de lei processual se fundamenta no entendimento político de que se modifica o processo visando uma melhor dinâmica na atuação jurisdicional, e assim, não se atinge mas se atende melhor os interesses das partes.


Para resolver o problema do conflito das leis processuais no tempo, as legislações se agrupam em 3 sistemas:


1º - Sistema da unidade processual - para os que o adotam, o processo é tido como um todo inseparável, porque todos os atos processuais se destinam a um fim. Assim, em curso um processo, ele se regeria todo pela lei nova, ou todo pela lei antiga, de forma a se evitar a nulidade, ou dos atos já praticados, ou dos atos a praticar.


2º - Sistema das fases processuais - nós sabemos que o processo tem fases perfeitamente distintas: as fases postulatória, probatória, decisória e recursal. Para os que adotam tal sistema, a lei nova se aplicaria às fases futuras, aquelas encontradas pela lei quando entra em vigor.


3º - Sistema do isolamento do atos processuais - Para os que adotam tal sistema (nós inclusive), o processo é um conjunto de atos processuais preordenados a um fim (atuação jurisdicional); assim, os atos já praticados subsistem, e os atos futuros se regem pela lei nova, pois vigora entre nós o princípio "tempus regit actum", aplicável a todas as normas puramente instrumentais.


Mas um Código de Processo (seja penal, seja civil) contém além de normas puramente instrumentais (as verdadeiras normas processuais) e normas de natureza diversa (procedimentais, administrativas e instrumentais-materiais). Quanto às normas procedimentais o princípio geral encontra aplicação sem a menor dificuldade; em relação às normas administrativas, como obedecem ao princípio da finalidade e se dirigem aos órgãos administrativos e às partes, também admitem a aplicação imediata e geral da lei nova. A dificuldade reside quando, entrando em vigor nova lei processual, disciplina diferentemente situações regidas por normas instrumentais-materiais, ou seja, aquelas que regem direitos, deveres, poderes e obrigações das partes no processo.


A Constituição Federal assegura o direito adquirido, a situação jurídica definitivamente constituída e a coisa julgada. Quando, de acordo com norma instrumental-material, já há direito adquirido, situação jurídica definitivamente constituída ou coisa julgada (incluída nesta expressão a preclusão), e surge nova lei processual regendo diferentemente os atos processuais, é que o princípio da aplicação imediata da nova lei processual esbarraria na norma constitucional. Tal sucede, principalmente, no que diz respeito aos prazos, admissibilidade dos recursos, condições da ação penal, condições de punibilidade, e negócios jurídico processuais, onde se podem vislumbrar direitos adquiridos e situações jurídicas definitivamente constituídas.


Em matéria de aplicação de lei processual penal no tempo, portanto, o princípio da aplicação imediata e geral atua de forma relativa, pois não encontra campo quando se tratar de norma instrumental-material. A análise da natureza da norma avulta de interesse neste particular: se a natureza da norma for instrumental-material, permanecerão intocados os atos processuais realizados sob a lei antiga e seus efeitos também a ela obedecerão, resguardando-se assim o princípio constitucional que veda a retroatividade da lei nova com violação do direito adquirido, da coisa julgada e das situações jurídicas definitivamente constituídas.


Tratando-se de recurso o direito de recorrer nasce da Sentença de primeiro grau, no caso,no momento em que foi publicada, em Plenário a Senteça condenatória pelo Juiz-Presidente do Tribunal do Juri Regional de Santana.


Como a essa época o Protesto por novo Júri já se encontrava extinto, não há como se cogitar dele, nem de irretroatividade maléfica.

Por: Desembargador Gama Malcher


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