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24 de Fevereiro de 2012 - Por: Migalhas

Microsoft obrigada a identificar autor de e-mails sobre caso extraconjugal


A Microsoft Informática terá que apresentar os dados de identificação de uma pessoa que emitiu e-mails para o correio eletrônico de um homem entre os meses de julho e agosto de 2010. O conteúdo era ofensivo, e afirmava que o homem tinha um caso extraconjugal com a remetente, o que causou inúmeras brigas entre o autor e sua esposa.

A decisão da 2ª câmara de Direito Civil do TJ/SC confirmou, por unanimidade, a sentença da comarca de Blumenau.

Em
seu voto, o relator, desembargador Luiz Carlos Freyesleben, não aceitou
o argumento de ilegitimidade passiva da Microsoft. Para ele, ainda que a
empresa e sua controladora americana tenham personalidades jurídicas
distintas, ambas integram o mesmo grupo econômico, com interesses
comuns, aparecendo aos olhos do consumidor como uma só pessoa jurídica, o
que leva à aplicação da teoria da aparência.

Freyesleben não
acolheu também a afirmação da Microsoft de que apenas para fins penais é
possível exibir documentos referentes a dados eletrônicos. "Embora
haja previsão constitucional atinente à proteção do

">sigilo das
informações, este direito desaparece diante de indícios veementes de
ilícito praticado por aquele a quem dizem respeito os dados pretendidos,
tal como expressado na jurisprudência, desde que isso se faça, sempre,
por ordem judicial, sendo este o caso ora tratado
", concluiu o relator.



  • Processo: 2011.096376-8


Veja abaixo a íntegra da decisão.

_________


Apelação Cível n. 2011.096376-8, de Blumenau

Relator: Des. Luiz Carlos Freyesleben

PROCESSUAL
CIVIL E CIVIL. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. REQUISITOS
PREENCHIDOS. APLICAÇÃO DO CDC. GARANTIA CONSTITUCIONAL DE SIGILO DOS
DADOS. PROTEÇÃO QUE SE DEVE HARMONIZAR COM OS DEMAIS PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS. OFENSA INEXISTENTE, EM RAZÃO DA VEDAÇÃO AO ANONIMATO.
ENVIO DE E-MAIL SEM IDENTIFICAÇÃO DO REMETENTE. USO DO SERVIÇO DE
CORREIO ELETRÔNICO PRESTADO PELA RÉ. ILEGITIMIDADE PASSIVA AFASTADA.
IMPOSSIBILIDADE TÉCNICA NÃO VERIFICADA. DEVER DE FORNECER OS DADOS
RECONHECIDO. RECURSO DESPROVIDO.


O
serviço de correio eletrônico submete-se aos ditames do CDC, pois a
empresa que disponibiliza o serviço recebe vantagem econômica com o
acesso do usuário à sua página, por meio de anúncios e propagandas de
caráter comercial.

"Se empresa brasileira aufere diversos benefícios quando se apresenta
ao mercado de forma tão semelhante a sua controladora americana, deve
também, responder pelos riscos de tal conduta" (STJ, Min. Fernando
Gonçalves, j. 7-10-2008).


"A garantia prevista no inciso
XII do artigo 5º da Constituição Federal não é absoluta, devendo ser
sopesada com outros princípios resguardados pela nossa Magna Carta, tal
como, por exemplo, a vedação ao anonimato" (TJRS, Des. Tasso Caubi
Soares Delabary).


A empresa que mantém e
administra conta de endereço eletrônico (email) obriga-se a fornecer os
dados que identificam o usuário responsável pelo envio de mensagens com
conteúdo ofensivo ou desabonador.

Vistos, relatados e discutidos
estes autos de Apelação Cível n. 2011.096376-8, da comarca de Blumenau
(1ª Vara Cível), em que é apelante Microsoft Informática Ltda, e apelado
Leandro Nunes Pereira: A Segunda Câmara de Direito Civil decidiu, por
votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas
legais Participaram do julgamento, realizado em 2 de fevereiro de 2012,
os Exmos. Srs. Des. Trindade dos Santos (Presidente) e Nelson Schaefer
Martins.

Custas legais.

Florianópolis, 14 de fevereiro de 2012.

Luiz Carlos Freyesleben

RELATOR

RELATÓRIO

Microsoft
Informática Ltda. apela de sentença da doutora Juíza de Direito da 1ª
Vara Cível da comarca de Blumenau que, em ação cautelar de exibição de
documentos, movida contra a apelante por Leandro Nunes Pereira, julgou
procedente o pedido.

Leandro Nunes Pereira aforou esta ação
cautelar de exibição de documento contra Microsoft Informática Ltda.,
alegando abalo à sua imagem, em face do envio de mensagens eletrônicas
(e-mail) contendo informações mendazes, por meio do serviço de correio
eletrônico da ré. Assim, pretendendo identificar o remetente das
mensagens, requereu a exibição de informações referentes ao endereço
eletrônico pikena2010ui@hotmail.com, a antecipação da tutela e a
condenação da ré em custas processuais e honorários advocatícios.

O
Juiz de Direito indeferiu a liminar (fls. 16-17) e Microsoft
Informática Ltda. contestou (fls. 20-37), alegando, preliminarmente,
carência de ação por ilegitimidade passiva, atribuindo à sua
controladora americana a responsabildiade pelo fornecimento dos dados.
Destacou, ainda, a falta de condições de procedibilidade da ação e a
impossibilidade jurídica do pedido, pois os documentos solicitados não
lhe pertencem, nem é a responsável por executar o pedido.

No
mérito, disse da inaplicabilidade do CDC e invocou a proteção
constitucional referente ao sigilo das comunicações. Além disso,
entendeu que apenas para fins de investigação penal é possível fornecer
as informações requeridas pelo autor. Por fim, apontou como solução
amigável o envio de ofício à sua controladora americana para o
fornecimento dos dados.

Por essas razões, requereu o provimento do apelo, com vistas à improcedência do pedido.

Houve
réplica (fls. 91-95) e o Juiz de Direito julgou procedente o pedido,
determinando o fornecimento dos dados requeridos e condenando a ré ao
pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, estes no
valor de R$ 1.000,00 (CPC, art. 20, ­ 4º).

Microsoft Informática
Ltda. apelou (fls. 104-124), insistindo em todos os seus antecedentes
argumentos, conforme alinhamento na contestação. Houve contrarrazões, às
fls. 133-136, por parte do autor, em que requereu a manutenção da
sentença.

Este é o relatório.

Gabinete Des. Luiz Carlos Freyesleben

VOTO

Cuida-se
de recurso de apelação interposto por Microsoft Informática Ltda.
contra sentença da doutora Juíza de Direito da 2ª Vara Cível da comarca
de Blumenau que, em ação cautelar de exibição de documentos, movida por
Leandro Nunes Pereira julgou procedente o pedido.

Não há dúvida
de que a demanda submete-se ao CDC, por amoldar-se à conceituação do que
seja relação de consumo, conforme o ­ 2º do art. 3º da Lei n. 8.078/90:
"serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante
remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e
securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista".
Assim, não se pode dizer que a empresa apelante não aufere lucros com a
prestação de serviços de correio eletrônico, pois é sabido que a
vantagem econômica obtida com o acesso do usuário à sua página dá-se por
meio de anúncios e propagandas de caráter comercial exibidas em seu
sítio eletrônico. Logo, impõe-se analisar a ação, não apenas sob a ótica
do Código Civil, mas, também, à luz das normas e princípios do CDC,
pois não se poderá conhecer o verdadeiro significado dos artigos 757 e
seguintes do Código Civil se não forem interpretados em conjunto com as
disposições da legislação consumerista.

Nesse contexto, a
preliminar de ilegitimidade passiva não deve ser acolhida. É que, ainda
que a empresa apelante e sua controladora americana tenham
personalidades jurídicas distintas, ambas fazem parte do mesmo grupo
econômico, com interesses comuns, aparecendo aos olhos do consumidor
como uma só pessoa jurídica, fato a atrair a aplicação da Teoria da
Aparência. Diante de tal cenário, não há dúvida de que o consumidor nem
mesmo é capaz de distinguir, com clareza, as fronteiras entre a empresa
americana e sua correspondente nacional. Para o consumidor, ambas
ostentam uma só personalidade. Aliás, em razão das particularidades que
envolvem a contratação de serviços de correio eletrônico, não é razoável
exigir que o consumidor, para fazer valer seu direito de acesso à
Justiça, ingresse com ação judicial contra pessoa jurídica sediada no
exterior, principalmente se há empresa do mesmo grupo sediada no Brasil.
Demais disso, o Superior Tribunal de Justiça entende que "se empresa
brasileira aufere diversos benefícios quando se apresenta ao mercado de
forma tão semelhante a sua controladora americana, deve também,
responder pelos riscos de tal conduta" (Resp. 1021987/RN, rel. Min.
Fernando Gonçalves, j. 7-10-2008).

Acerca do tema, colho outros precedentes jurisprudenciais:

RECURSO
ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. RETIRADA DE
PÁGINA DA REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES. CONTEÚDO OFENSIVO À HONRA E À
IMAGEM. ALEGADA RESPONSABILIDADE DA SOCIEDADE CONTROLADORA, DE ORIGEM
ESTRANGEIRA. POSSIBILIDADE DA ORDEM SER CUMPRIDA PELA EMPRESA NACIONAL.
Se
empresa brasileira aufere diversos benefícios quando se apresenta ao
mercado de forma tão semelhante a sua controladora americana, deve
também, responder pelos riscos de tal conduta (STJ, Resp. 1021987/RN,
rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 7-10-2008).


AGRAVO DE
INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. MICROSOFT.
HOTMAIL. Embora, efetivamente, a Microsoft Informática LTDA se trate de
pessoa jurídica distinta das sociedades empresárias Microsoft
Corporation, MSHC LLC e Round Island One Limited, mantenedoras dos
serviços de correio eletrônico Hotmail, no caso concreto, é de ser
afastada a tese de ilegitimidade passiva ad causam, diante da incidência
da Teoria da Aparência (TJRS, AI n. 70043483494, Desa. Rela. Iris
Helena Medeiros Nogueira, j. 29-6-2011)


Sob tais razões, arredo a suscitada ilegitimidade passiva.

Quanto
aos demais argumentos, de falta de condição de procedibilidade da ação,
de impossibilidade jurídica do pedido e naquilo que pertine ao mérito
da demanda, todas as suscitações repousam sobre o mesmo fundamento:
possibilidade técnica da empresa controladora americana e não da
apelante, para o fornecimento dos dados da conta de email do responsável
pelas mensagens eletrônicas enviadas ao autor. Entretanto, alegado
fundamento não tem por que vingar, devendo manter-se a sentença de
procedência do pedido. Assim, se não há impossibilidade técnica a
impedir o fornecimento dos dados do responsável pela criação da conta de
e-mail pikena2010ui@hotmail.com., mesmo porque a própria apelante
reconhece, em suas razões de apelo e em contestação, que sua
controladora americana possui os dados cadastrais relacionados ao
usuário do e-mail, objeto da controvérsia, não tenho dúvida de que está
bem caracterizada a possibilidade do cumprimento da obrigação.

Quanto
ao pedido de envio de ofício à empresa, sediada no exterior, para que
encaminhe os dados objeto desta demanda, não há nisso nenhuma utilidade,
pois - repito - a apelante reúne todas as condições para, ela mesma,
cumprir a obrigação. Aliás, o tema foi bem analisado pela Juíza
sentenciante, razão por que integro a este voto parte de seu texto.
Disse Sua Excelência:

Vale salientar que não merece acolhimento a
sugestão formulada pela requerida no sentido de que este Juízo remeta
ofício diretamente à empresa controladora estabelecida nos Estados
Unidos da América, pois lhe incumbiria ter feito tal contato diretamente
(o que certamente lograria com melhor fluxo em suas vias gerenciais por
se tratarem de empresas com atuação interligada e avançado
aparelhamento tecnológico). Ora, se a própria parte poderia ter cumprido
tal providência, nada justifica a expedição de ofício pela autoridade
judiciária com idêntico propósito (fls. 95-96).

Por fim, a
apelante não tem razão ao argumentar que apenas para fins penais é
possível exibir documentos referentes a dados eletrônicos. Embora haja
previsão constitucional atinente à proteção do sigilo das informações,
este direito desaparece diante de indícios veementes de ilícito
praticado por aquele a quem dizem respeito os dados pretendidos, tal
como expressado na jurisprudência, desde que isso se faça, sempre, por
ordem judicial, sendo este o caso ora tratado. Vejam-se os precedentes:

A
garantia prevista no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal
não é absoluta, devendo ser sopesada com outros princípios resguardados
pela nossa Magna Carta, tal como, por exemplo, a vedação ao anonimato.
In casu, o remetente das mensagens utiliza-se do aparente sigilo das
comunicações via Internet para ofender o autor, artifício esse cuja
utilização não tem amparo no ordenamento jurídico (TJRS, Ap. CÍV. N.
70044506210, REL. DES. TASSO CAUBI SOARES DELABARY J. 28-9-2011).

APELAÇÃO
CÍVEL. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. 1. REQUISITOS
PREENCHIDOS. OFENSAS DIRECIONADAS CONTRA O AUTOR A PARTIR DE MENSAGEM
ELETRÔNICA. 2. IDENTIFICAÇÃO DO IP (FIXO) DO EQUIPAMENTO DE ORIGEM DO
E-MAIL. A ação cautelar de exibição de documentos pode ser um
procedimento tanto preparatório como satisfativo, no qual se busca a
exibição judicial de documento próprio ou comum, em poder de
co-interessado ou terceiro.

Documento comum não pode
ser considerado apenas aquele que pertence indistintamente a ambas as
partes, mas também o que se refere a uma situação jurídica que envolva
ambas as partes, ou uma das partes e terceiro (TJSC, Ap. Cív. n.
2007.028916-4, da Capital, rel. Des. Henry Petry Junior, j. 20-5-2008).

APELAÇÃO
CÍVEL. CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. SIGILO DE CADASTRO. MENSAGEM
ELETRÔNICA. A ação de exibição de documento, embora denominada
cautelar, tem cunho satisfativo, sendo facultativa sua utilização como
ação preparatória. O envio de mensagem eletrônica sem identificação do
remetente não autoriza a abertura do cadastro existente entre este e o
provedor de correio eletrônico quando não configurado ato ilícito. Apelo
Improvido. (TJRS, Ap. Cív. n. 70005655097, rel. Des. Antônio Vinícius
Amaro da Silveira, j. 22-6-2004)


Destarte,
somente com a identificação do remetente do e-mail de conteúdo
desabonador será possível ao autor exercer seu direito de reparação às
ofensas perpetradas contra a sua pessoa.

Por estas razões,
mantenho a sentença de procedência do pedido, para determinar à
Microsoft Informática Ltda. o fornecimento dos dados necessários à
identificação do remetente do e-mail pikena2010ui@hotmail.com, nos
moldes da ordem dimanada de ato da eminente Doutor Quitéria Tamanini
Vieira Pires, digna Juíza sentenciante.

Diante do exposto, conheço do recurso de apelação interposto por

Microsoft Informática Ltda., a que nego provimento.

Este é o voto.

Gabinete Des. Luiz Carlos Freyesleben

 

Esta matéria foi colocada no ar originalmente em 24 de fevereiro de 2012.
ISSN 1983-392X

Fonte: Migalhas - www.migalhas.com.br

Por: Migalhas


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